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Transformações da quarentena


Lindo relato de Cecília Mombelli, aluna de programa de pós-graduação do IRI, sobre descobrimentos e desdobramentos de nossas capacidades em tempos de pandemia.


Se a quarentena trouxe algum aprendizado, foi a capacidade de adaptação e de eterna reinvenção. Não sem sofrimento ou lástima pela rotina que ficou, mas com a certeza que é possível construir novos caminhos diante das adversidades.

Essa clareza, no entanto, demorou para vir. Os primeiros meses foram carregados de inseguranças e ansiedades. A dispensa temporária do trabalho (sou professora de história da rede municipal) me pegou tão desprevenida que minha primeira atitude foi voltar para fazenda dos pais no Rio Grande do Sul. Minha mala de verão, preparada para duas semanas, não resistiu ao frio de abril. Recorri as roupas de 10 anos que, por sorte, minha mãe preservara. Foi difícil me ver no espelho no mesmo lugar e com os mesmos trajes daquela guria interiorana que eu deixara para trás. Eu retrocedi no tempo e no espaço para uma vida que não me servia mais.

Precisei me adaptar. Pedi prorrogação da qualificação, dei um tempo da pesquisa e mergulhei na vida da fazenda. Voltei a andar a cavalo, reaprendi a cuidar do gado e aprimorei meus conhecimentos de horta. Quando percebi que não voltaria para São Paulo nos próximos meses, iniciei meu próprio negócio: adquiri 10 pintinhas poedeiras para a produção de ovos caipiras. Espero, em breve, vender minha primeira dúzia.

As obrigações profissionais também se adaptaram. O MaRIas, grupo de estudo de gênero das alunas de pós-graduação do IRI, se reinventou, aderiu ao mundo online e manteve os encontros virtuais. Com o novo formato, mais pesquisadoras e interessadas começaram a participar das formações e, o que antes era interno do IRI, expandiu as fronteiras. Com mais demandas, veio mais trabalhos. Escrevemos nosso primeiro artigo juntas e iniciamos uma pesquisa mais abrangente sobre os efeitos da pandemia nas pesquisadoras de RI. As reuniões de trabalho, todas as segundas-feiras, às 14h, marcavam o início da semana e reascendiam o meu interesse pela acadêmica. Para Bia, Kelly, Laira e Mari, deixo o meu agradecimento por me mostrarem uma forma colaborativa de fazer ciência.

A escola voltou com aulas online e a qualificação se aproximava. A fazenda ficou de lado para dar espaço às demandas acadêmicas. Com o afrouxamento das restrições europeias, consegui remarcar um voo tantas vezes cancelado. Em julho, passei em Londres para reencontrar uma pessoa mais do que especial, com quem compartilhei as angustias e descobertas da quarentena a distância. Segui para Paris, onde por duas semanas mergulhei a cabeça em pilhas de documentos da Unesco em busca de respostas para minha tese. A experiência nos arquivos despertou meu lado historiadora e me fez lembrar o quanto eu gosto de pesquisar. Trago na mala o texto da qualificação, a base empírica do trabalho e um aperto no coração poder ter deixado na estação quem eu queria por perto.

De volta a fazenda, resta-me a escrita. Ao analisar esses cinco meses de transformações, percebo o quanto eu fui muitas Cecilias. Esse tempo me possibilitou fazer as pazes com meu passado e repensar meu futuro. Não fiz isso sozinha. Contei, em diferentes momentos, com o ombro das amigas e o apoio da família, em especial minhas irmãs, que foram mães em tempos tão incertos. Entendi que as relações que estabeleci ao longo do caminho permanecerão independentemente da distância. São parte da minha vida.

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